Viver no Brasil nos dias de hoje realmente não está fácil. Se fizermos uma análise da situação, sem mesmo se aprofundar, a conclusão facilmente pode ser a de que, diante de tantos os desmandos e absurdos, talvez seja melhor largar tudo. Há horas que dá até vontade de sentar à beira da calçada e ficar chorando até ganhar raiz.
Só nos dois primeiros meses de 2019, já temos um saldo gigante de dor e tristezas. Brumadinho, os meninos do Ninho do Urubu, do Flamengo, a perda de Ricardo Boechat, em uma aeronave não habilitada para transporte de passageiros e por aí segue.
Dias atrás, a cidade de Mairiporã, em São Paulo, sofria com a falta de coleta de lixo e a ameaça de pestes. No Rio de Janeiro, agora, quando cai chuva, a ordem é decretar ponto facultativo, pois a infraestrutura está completamente sucateada.
O que dizem as notícias dos jornais mais recentes? Agressões a mulheres ficam impunes. Balas perdidas são corriqueiras. A roubalheira é generalizada. Os laranjas fazem o que querem, em baixo dos olhos das autoridades públicas e de policiais. A nós, o povo, resta desprezo e falta de respeito.
Em meu artigo anterior, tratei uma distorção no campo da saúde que deixou a classe médica em polvorosa por semanas. Natural, se confirmada, poderia causar dado irreversível aos cidadãos. Falo da Resolução 2.227/2018, do Conselho Federal de Medicina, que pretendia disciplinar a telemedicina como forma de assistência mediada por tecnologias.
A normativa liberava os médicos brasileiros para realizar consultas online, assim como telecirurgias e telediagnóstico, entre outras formas de assistência à distância.
Enfim, abria uma lacuna perigosa, em especial considerando que a formação em Medicina anda péssima e nem presencialmente muitos médicos conseguem diagnosticar direito uma gripe ou uma prisão de ventre.
Diversas entidades representativas, como a Sociedade Brasileira de Clínica Médica e a Associação Paulista de Medicina, protestaram; inclusive pelo fato de a decisão ter sido tomada sem qualquer debate entre os médicos e os pacientes. Eu mesmo, aqui nesse espaço, registrei que nossa prática profissional não poderia jamais virar marionete de empresas do ramo tecnológico.
Volto a reafirmar meu pensamento, a defender meus princípios. Por mais que novas soluções facilitem a comunicação a distância, elas jamais substituirão aquilo que é a alma da prática médica: o toque, a interação humana.
Neste caso, especificamente, eis que trago aqui uma notícia boa, um desfecho favorável. Tamanha foi a pressão de instituições médicas, tamanha foi a revolta dos pacientes e a polêmica na mídia, que o Conselho Federal de Medicina voltou atrás. Sexta-feira, 22 de fevereiro, soltou um comunicado aos jornalistas e à população, com o seguinte teor:
“Sensíveis às manifestações dos médicos brasileiros e entidades representativas da classe, os conselheiros efetivos do CFM decidiram revogar a Resolução 2.227/2018”.
Nem cabe aqui debater até onde vai a citada sensibilidade. Importante mesmo é que venceu a força da razão, a mobilização das pessoas de bom senso e o clamor da racionalidade.
Como saldo desse episódio, fica um exemplo real de que o certo ainda pode prevalecer sobre o errado. Em um momento assim, até passa aquela vontade de largar tudo ou de chorar até virar raiz, que expressei no início desse artigo.
Ganhamos força e voltamos a crer que sempre vale resistir e lutar. Parabéns, brasileiros.
Antonio Carlos Lopes é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica