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Implicações do vínculo médico-paciente na relação de consumo

Liz Lopes Benavente

e Nathalia Santos



O Direito do Consumidor é um reflexo das mudanças econômicas e sociais que remonta ao século XX, em razão das evoluções tecnológicas no processo de produção de bens de consumo. A Organização das Nações Unidas (ONU), em 1985, por meio da Resolução 39/248, estabeleceu diretrizes para a proteção do agente vulnerável frente aos fornecedores. No Brasil, o ramo do direito surgiu em 1990, com o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), como reflexo do mandamento constitucional de proteção afirmativa dos consumidores (artigos 5º, XXXII e 170, V, da CF/88; art. 48 do ADCT).


Como direito fundamental, o direito do consumidor assume o caráter de uma resposta legal protetiva e a Constituição Federal de 1988, além de inserir a necessidade da promoção da sua defesa, pelo Estado, também reforçou a proteção à dignidade da pessoa humana (art. 1º) e trouxe ao ordenamento jurídico o direito social à saúde (art. 6º e art. 196), garantido a todos os brasileiros e residentes no país.


De acordo com a Carta Magna, a saúde, por ser direito fundamental, tem aplicação imediata e, reconhecida também na Declaração Universal dos Direitos Humanos, é um direito humano essencial. Como materialização desse direito foi criado o Sistema Único de Saúde, abrangendo diversas searas da vida dos usuários, buscando sempre a atenção integral à saúde.


Além do modelo de saúde pública, que passa pelo desenvolvimento de políticas focadas no SUS, o Brasil também conta com uma rede de saúde prestada por instituições privadas, sob fiscalização e controle do Poder Público.


Tanto a rede pública quanto a rede privada possuem como foco principal o bem-estar do paciente. Nesta seara, entrelaçando o Direito do Consumidor com o ramo do Direito Médico, tem-se como primordial a obediência ao dever de informação, princípio explícito no texto consumerista, sendo que sua inobservância viola o direito à autodeterminação do paciente (Informativo 612 do STJ).


Esse dever de informação decorre da boa-fé objetiva e é a obrigação que possui o médico de esclarecer o paciente sobre os riscos do tratamento, as possíveis técnicas a serem aplicadas, suas vantagens e desvantagens, bem como a revelação dos prognósticos, quadros clínicos e cirúrgicos, salvo quando tal informação possa afetá-lo psicologicamente, ocasião em que a comunicação será realizada ao seu representante legal.


Para atender às normas protetivas da defesa do paciente, aqui considerado consumidor, o cumprimento do dever de informação se mostrará efetivo quando os esclarecimentos se relacionarem especificamente ao caso do paciente, não sendo suficiente apenas a informação genérica.


E, nesse sentido, quando do julgamento do EREsp 1.515.895/RS, o Ministro Humberto Martins do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a inobservância do dever de informar caracteriza ilícito civil indenizável, sendo clara a violação da autodeterminação do paciente que não pode escolher livremente submeter-se ou não ao risco previsível. Do mesmo modo, restou consignado que o ônus da prova do cumprimento do dever de esclarecer e obter o consentimento informado do paciente é do médico ou do hospital.


No tocante à responsabilidade pela força da lei consumerista, cediço que a responsabilidade objetiva não é absoluta, devendo ser ponderada a causalidade adequada no caso concreto. Ou seja, eventual constatação de erro médico e má prática da medicina deve ser analisada sob a ótica da responsabilidade objetiva e subjetiva, a depender do caso concreto.


Em demandas indenizatórias com fundamento em erro médico, negligência e má prática da medicina, a orientação jurisprudencial previa a responsabilidade civil e solidariedade passiva entre médico e hospital.


Contudo, tal posicionamento foi modificado pelo Superior Tribunal de Justiça, que recentemente pacificou o entendimento de que a responsabilidade dos hospitais limita-se ao fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares adequados à prestação dos serviços médicos e à supervisão do paciente, hipótese em que a responsabilidade objetiva da instituição, por ato próprio, exsurge somente em decorrência de defeito no serviço prestado (art. 14, caput, do CDC) (vide AgInt no AREsp nº 1761544, julgado em 03/05/2021).


Em outras palavras, a responsabilidade do hospital somente tem espaço quando o dano decorrer de falha de serviços, cuja atribuição é afeta única e exclusivamente ao hospital, como a falha no aparelhamento que colocou à disposição do médico, não se aplicando em casos de atendimento e tratamento adotado por médicos não vinculados à instituição. Ou seja, nas hipóteses de dano decorrente de falha técnica restrita ao profissional médico, não cabe atribuir ao hospital a obrigação de indenizar.


Já na hipótese de prestação de serviços médicos, o ajuste contratual entre médico e paciente refere-se ao emprego da melhor técnica existente, não assumindo o médico o compromisso com o resultado específico. Logo, se ocorrer dano ao paciente, o entendimento prevalecente é o de que se deve averiguar se houve culpa do profissional, aplicando-se a responsabilidade subjetiva.


Tal responsabilidade civil subjetiva do médico encontra-se regulada no artigo 14, §4º do Código de Defesa do Consumidor, que exige a demonstração do evento danoso, da conduta culposa do profissional da saúde e do nexo causal com os danos experimentados pelo paciente.


Em virtude da responsabilidade do profissional da saúde na relação médico-paciente, os consumidores acionam o Poder Judiciário perquirindo o ressarcimento de prejuízos causados por erros médicos e falhas na prestação de serviços médico-hospitalares, buscando indenizações milionárias de cunho moral e patrimonial.


Nesse viés, é de suma importância lembrar que as atividades médicas são obrigações de meio e não de resultado. Isto implica dizer que o médico assume a obrigação de empregar todos os meios que estão ao seu alcance para atingir o resultado pretendido, valendo-se dos conhecimentos técnicos e elementos disponíveis e adequados para o tratamento do paciente.


Contudo, na medida em que os profissionais da área médica não são capazes de suspender a evolução de uma doença, prever reações adversas do corpo humano ou, por exemplo, evitar a morte do paciente, deve-se adotar a melhor técnica médica para tentar restabelecer a saúde do paciente, mas não sendo obrigados, contudo, a obter o resultado esperado.


Portanto, o vínculo médico-paciente enquanto relação de consumo, notadamente em ações indenizatórias que se discute a prática da medicina, eventual responsabilização deve ser analisada no caso concreto, sendo pacificado o entendimento de que os hospitais respondem objetivamente somente quando há defeito no fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares.


Já em relação aos médicos, por força da legislação consumerista, a responsabilidade subjetiva exige a demonstração do dano, da conduta culposa e do nexo causal, com a existência de excludentes de responsabilidade, uma vez que em todas as situações de intervenção médica é possível ocorrer o desencadeamento de resultados imponderáveis e fatos totalmente imprevisíveis.


De toda forma, a relação médico-paciente será sempre analisada sob a ótica da legislação consumerista, dos princípios emanados na Constituição Federativa e da melhor doutrina e jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre o direito médico e a atuação dos profissionais da saúde, pautando sempre pelo bem-estar do paciente.



ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo. Interesses Difusos e Coletivos. Volume: 1. 10ª edição. Editora Método. 2020.

Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Legislações: Constituição Federal e Código de Defesa do Consumidor.


Liz Lopes Benavente e Nathalia Santos são advogadas da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA)


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