Teresa Liporace
Marilena Lazzarini
Em artigo publicado em julho pela Folha de S. Paulo, o jornalista Elio Gaspari revelou a existência de um anteprojeto à lei dos planos de saúde que era gestado pelas operadoras. O documento intitulado “Mundo Novo” consiste em aumentar os lucros das operadoras dos planos de saúde retirando direitos dos usuários, reduzindo a regulação e a fiscalização aplicável às empresas, reduzindo a carga tributária para o setor e dificultando o ressarcimento ao SUS (Sistema Único de Saúde). Em resumo, um ataque ao direito do consumidor e ao sistema de saúde brasileiro.
Sob a justificativa da perda de clientela e dificuldades enfrentadas pelo setor nos últimos anos, o cerne da proposta é aumentar os seus ganhos financeiros, oferecendo planos mais baratos, com cobertura menor, visando a recuperar a parcela de consumidores que saiu desse mercado justamente pelas dificuldades econômicas, seja a falta de emprego ou o acúmulo de dívidas.
Efetivamente, os dados da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) confirmam que houve uma queda de cerca de três milhões de usuários dos planos de saúde. Aliás, a absoluta maioria de segmentos empresariais foi e ainda está sendo afetada pela profunda crise econômica que assola este país nos últimos anos. Porém, as operadoras conseguiram compensar sua perda cobrando mais, via reajustamento de mensalidades, cobrindo as despesas assistenciais e mantendo seus lucros inalterados.
Como se verifica nas informações da própria ANS, em 2017, a margem de lucro líquido das operadoras do segmento médico-hospitalar permaneceu estável. Em 2018, o resultado líquido, conforme apresentado pela publicação “Prisma Econômico-Financeiro da Saúde Suplementar”, mostrou sensível crescimento.
Segundo os dados anuais da Agência, as contraprestações efetivas das operadoras de planos de saúde somaram o montante de R$ 197,43 bilhões no ano de 2018, já as despesas assistenciais totalizaram R$ 161,46 bilhões. Na comparação com as informações de 2017, as receitas cresceram cerca de 9%, enquanto as despesas subiram em torno de 7%.
Ainda assim, mantendo ou aumentando os seus lucros, as operadoras querem ampliar suas vantagens. E quem deve sofrer as consequências é o consumidor.
A proposta, que está sendo chamada “pay-per-view”, vai limitar os atendimentos a procedimentos e consultas mais simples, deixando de fora ou abrindo caminho para cobranças abusivas de tratamentos de doenças mais complexas, como câncer, doenças cardíacas, entre outras. Esses planos também afetarão a relação médico-paciente uma vez que, como planos muito segmentados, deve haver restrição a procedimentos, exames e até monitoramento profissional. É um “mundo novo” perverso e eivado de enganosidade.
Se pretende atrair esse segmento de cidadãos em dificuldade financeira com planos de cobertura reduzida e baixos valores de mensalidades, sem a menor preocupação com os impactos negativos para os indivíduos e famílias no momento do adoecimento, quando terão que recorrer ao SUS ou arcar com gastos catastróficos para custear doenças ou tratamentos não cobertos pelo plano adquirido.
Em vigor desde 1998, a lei dos planos de saúde fixa as garantias mínimas de atendimentos aos consumidores e não permite a segmentação de planos. Pela lei, há uma lista mínima de exames e terapias obrigatórias que deve ser ofertada.
As normas do Código de Defesa do Consumidor se aplicam ao mercado de saúde suplementar, entendimento que já foi inclusive pacificado na Súmula 608 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Essa tem sido a única opção de milhares de consumidores lesados pelas operadoras, lamentavelmente. E a judicialização só aumentará se tal proposta se concretizar. É preciso manter os direitos conquistados.
Teresa Liporace é Diretora Executiva do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC)
Marilena Lazzarini – Presidente do Conselho Diretor do IDEC
Fonte: Folha de S.Paulo