Como médico, muitas vezes chegam a mim desabafos de pacientes. São recorrentes, por exemplo, inquietudes do tipo: “Doutor, a saúde do Brasil tem jeito?” ou “Onde vamos parar com os medicamentos a esses preços?” ou ainda “É justo uma pessoa pagar tantos impostos, passar a vida se matando de trabalhar e ter de enfrentar meses de espera por uma consulta?”.
Não, nada disso é justo. O Brasil que vimos emergir em décadas recentes, lamentavelmente, já ganhou status de campeão de disparidades sociais. As prioridades foram 100% invertidas. Já o sonho de nos transformarmos em uma grande nação sucumbe paulatinamente por obra e graça de gestores de competência duvidosa e de políticos compromissados somente com eles mesmos, em sua maioria.
Vejamos o que se passa na Educação, apenas para abrir o debate. Em tempos antigos, estudar em uma escola pública era sinônimo de um futuro bem encaminhado. Os professores eram respeitados, bem remunerados, capacitados e formavam quadros para o sucesso.
Com o correr dos anos, o quadro mudou radicalmente, para pior, como você bem sabe, vê e sente. Hoje, as escolas estão sucateadas e mestres recebem salários que mal dão para o sustento. Quando um pai matricula seu filho, em regra, meio que imagina que não há muito a esperar. Talvez o garoto sai com o diploma, mas, aprender mesmo, é difícil.
Temos, assim, três em cada dez brasileiros considerados analfabetos funcionais de nível primário. Cidadãos que possuem enorme dificuldade de assimilar um conjunto básico de letras e números.
Sem apoio, não conseguem fazer uma conta simples, escrever uma frase bem concatenada ou identificar uma data em calendário. Isso sem falar em outros milhões de indivíduos que até leem, só que não compreendem o texto nem formulam conceitos próprios.
A consequência da má formação de base é a perpetuação das diferenças. Quando avança até o superior, quem sai da escola pública normalmente vai para uma faculdade particular, cara e sem estrutura. Enquanto isso, os poucos que tiveram o privilégio de cursar um colégio particular entram em universidades públicas de qualidade e prestígio.
Na saúde, a inversão de valores cria igualmente um turbilhão de atrasos e desigualdades. Os investimentos do Estado historicamente vêm sendo reduzidos. Neste momento, por incrível que pareça, uma lei federal proíbe por 20 anos que qualquer reajuste real seja aplicado nos recursos destinados ao setor pelo Orçamento da União.
O resultado é aquele que você também sabe bem, vê e sente. Muita gente fala em falta de médico na rede estatal. É verdade, existe uma carência em diversos pontos do País. Contudo, a situação é bem mais grave, beira a penúria. Vira e mexe, recebemos denúncias de hospitais sem esparadrapo, sem gaze, sem antibiótico e por aí segue.
Dias atrás, vi uma reportagem que aponta claramente a possibilidade de o fim de túnel chegar sem vermos a tal da luz. Nem um dos candidatos à Presidência apresenta propostas efetivas para tirar a saúde do caos. Pior, alguns afirmam que não investirão mesmo no setor.
Onde vamos parar? Depende muito de cada um de nós. É hora de usar o voto como remédio para vencer esses e distintos outros males do Brasil.
Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica