Palestras, debates e ações educativas em todo país fazem parte da campanha de conscientização sobre a doença
Em 1817, o médico inglês James Parkinson publicou um artigo no qual definia uma nova doença, que veio a levar o seu próprio nome. Com a proximidade de 11 de abril, Dia Mundial de Combate à Doença de Parkinson, a Academia Brasileira de Neurologia (ABN) lança a Campanha Nacional da Doença de Parkinson – 200 Anos de História e Conhecimento, com o objetivo de avaliar os avanços científicos nesses dois séculos de busca para melhorar a situação dos parkinsonianos.
Além de várias ações em diversas partes do País, a campanha contará com uma coletiva de imprensa on-line a partir das 15h30 com o Dr. João Carlos Papaterra Limongi, doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP, médico neurologista do Grupo de Distúrbios do Movimento do Hospital das Clínicas da FMUSP e membro titular da ABN. Na ocasião, ele vai apresentar um panorama das pesquisas sobre a Doença de Parkinson e o que vem sendo feito em termos de diagnóstico e tratamento. Para participar da entrevista, basta acessar o site www.omnifarma.com.br/aovivo/coletivadeparkinson e fazer o seu cadastro.
Palestras, panfletagem e debates com pacientes, entre outras ações educativas, também serão realizadas em capitais e cidades do interior de estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Amazonas, Pará, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Espírito Santo, Mato Grosso e Santa Catarina até 30 de abril como parte da Campanha Nacional da Doença de Parkinson – 200 Anos de História e Conhecimento.
Falta de medicamentos e dificuldade de acesso: problemas do SUS
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) atestam que cerca de 1% da população mundial acima de 65 anos é portador da Doença de Parkinson. A prevalência estimada é de 100 a 200 casos por 200 mil habitantes. No Brasil, são poucas estatísticas, mas estima-se que 200 mil pessoas sofram da doença.
Novas drogas estão em estudo, algumas já no mercado, como a rasagilina, um inibidor da monoamina oxidase que potencializa a levodopa e pode interferir na evolução da doença. Existem outras não-dopaminérgicas que visam melhorar os sintomas sem os movimentos involuntários anormais, como a istradefilina.
“Outra abordagem é a terapia genética, uma vez que se sabe da existência de genes que influenciam a doença. Neste sentido, há tentativas de modificação genética visando mudar ou alterar os mecanismos celulares envolvidos na degeneração celular, em fase experimental e ainda sem aplicabilidade clínica. Existem, ainda, estudos com células-tronco em andamento, mas não se conhece exatamente como elas poderiam refazer certas conexões neurais”, comenta Limongi.
Para o especialista, é importante salientar neste contexto que o paciente com Doença de Parkinson não precisa somente do neurologista, mas de um acompanhamento multiprofissional. Fisioterapia por conta das alterações posturais e da marcha, além das contraturas das alterações musculares; alterações da voz altamente prevalentes requer tratamento fonoterápico; além de acompanhamentos nutricional e psicológico – a depressão é um dos sintomas, então é importante estar atento aos aspectos neuropsiquiátricos da doença.
De acordo com o dr. Henrique Ballalai Ferraz, membro titular da ABN e professor de neurologia da UNIFESP, há alguns medicamentos importantes que ainda não estão disponíveis no SUS. As demais medicações conseguem tratar a maioria dos pacientes, no entanto, alguns portadores da doença se beneficiariam se houvesse amplo acesso a essas drogas. “Ainda há uma lentidão para aprovar estes medicamentos mais novos”, diz.
Outra deficiência é o acesso ao tratamento cirúrgico com estimulação cerebral profunda. A saúde pública disponibiliza em poucos serviços e é insuficiente para atender as demandas.
Estudos
O que as pesquisas mostram, em primeiro lugar, é que a atividade física regular tem papel fundamental com a melhora na evolução da doença, e esse é um conhecimento relativamente novo. Combinada à fisioterapia, fonoterapia e reabilitação, é altamente benéfica. Nos últimos anos, surgiram novos medicamentos que melhoraram muito a capacidade de controlar os sintomas, com maior tolerância e doses mais baixas, em uma combinação adequada.
Outras pesquisas procuram um tratamento curativo, que impeça a progressão dos sintomas e restaure as perdas decorrentes do processo degenerativo. “Não foram aplicados à prática clínica, mas esperamos que, em um espaço curto, ainda indeterminado, venham novos procedimentos e medicamentos para melhorar a qualidade de vida. Os pacientes precisam ter essa certeza de que a ciência não parou. Apesar de não ter descoberto a cura, a pesquisa é incessante, cada vez mais avançada, até se tornar disponível”, argumenta Limongi.
História
Na década de 1960, começou a se entender os mecanismos bioquímicos envolvidos, como a deficiência do neurotransmissor dopamina. Hoje, é consenso que o parkinsoniano não consegue produzir a substância.
O primeiro tratamento realmente eficaz, considerado o maior avanço, foi a reposição com levodopa, um precursor bem absorvido pelo organismo e que atravessa a barreira hemato-encefálica (do sangue para o cérebro), onde é transformada em dopamina. Isso revolucionou completamente o tratamento no início da década de 1970, período em que os medicamentos eram bem rudimentares - basicamente os anticolinérgicos, de efeito muito discreto e excessivos efeitos colaterais -, reduzindo significativamente sua eficácia.
O tratamento farmacológico passou por um processo de refinamento, desde métodos de melhor administração, com drogas mais eficazes, até medicamentos que potencializam a levodopa, como inibidores enzimáticos que permitem uma ação mais duradoura nos receptores dopaminérgicos do cérebro. Outras drogas de ação semelhante, chamadas agonistas dopaminérgicos, indicadas para infecções, como, por exemplo, a rotigotina, até métodos mais sofisticados de administração, como a intraregional, usados em escala ainda muito reduzida devido ao alto custo, também estão em estudo.
Além dos sintomas clássicos de Parkinson, passou a se observar que, por exemplo, depois de 15 anos de doença, a maioria dos pacientes começa a apresentar problemas cognitivos. Outros, depois de 20 anos, apresentam algum grau de demência. Surge, então, um novo problema: como lidar com esses tipos de sintomas. “Temos o aparecimento das demências nas fases avançadas, de alterações de postura com muita frequência, entre outras complicações clínicas que não apareciam, o surgimento de movimentos involuntários anormais devido ao uso crônico da levodopa, que acabou gerando outro tipo de problema motor, as famosas discinesias induzidas pela levodopa, e a cada novo empecilho que surge, novas terapêuticas entram em cena para contorná-los”, enfatiza Limongi.
O tratamento cirúrgico, o famoso DBS, (do inglês deep brain stimulation), veio em socorro dos movimentos involuntários anormais, considerado atualmente o método mais eficaz para controlar esses sinais que a maioria dos pacientes desenvolve ao longo dos anos.
Panorama
A maior parte da monografia de James Parkinson ainda é considerada correta pela classe médica, em especial os quatro principais sintomas – doença motora caracterizada por tremores de repouso, rigidez muscular, dificuldade com movimentos e alterações posturais. Uma nova percepção ficou evidente nos últimos 20 anos e diz respeito à enorme quantidade de sintomas não-motores, por vezes predominante em determinadas fases do distúrbio.
“O comprometimento cognitivo que pode acarretar em demências, a disfunção do sistema nervoso autônomo, os transtornos de sono, a depressão e as alterações sensoriais (principalmente do olfato) ganharam um peso considerável, especialmente por sua interferência na qualidade de vida dos pacientes, o que não estava contemplado na descrição clínica original de James Parkinson”, explica Limongi.
Desde então, a Doença de Parkinson passou por diversas fases, com as alterações anatomopatológicas, depois os transtornos bioquímicos e finalmente a fase atual, em que já se avançou, e ainda há muito a avançar, acerca dos mecanismos celulares envolvidos na degeneração das células. “Ou seja, por que as células, em determinado momento, passam a degenerar, o que causam os sintomas da doença, e tentar, inclusive, interferir nesse processo, modificando sua evolução, o que ainda não foi alcançado”, evidencia o médico.
Rotina
O cuidado de quem convive com o parkinsoniano, tema da campanha do ano passado, continua de grande importância. Outro ponto de destaque é o estímulo a uma vida ativa, tanto profissional quanto social, essencial para manter o paciente o mais próximo possível do que era antes do diagnóstico.
“Fazer caminhadas, praticar atividades físicas regulares, conviver com amigos, sair de casa, mesmo com as dificuldades, e não se preocupar com as limitações, resulta em um tratamento medicamentoso mais bem sucedido, pois a preservação da saúde mental do paciente também é fundamental”, reforça Ballalai.