Usar meias verdades parece ser prática cada vez mais comum no mundo da política. Daí a importância de permanecermos sempre vigilantes para a defesa de nossos interesses.
Não faço essa observação de forma fortuita. Ela vem a propósito da recém-lançada ideia do Ministério da Saúde de criar “planos populares”.
Por trás do nome que até deixa a impressão de ampliar o acesso das camadas mais vulneráveis da sociedade à saúde suplementar, está uma deformação perigosa: os tais “planos populares”, de fato, terão cobertura limitada, só garantirão cobertura a essa ou aquela especialidade, ou a esse ou aquele procedimento.
É um ataque inaceitável à Lei 9.656/98, que normatiza o relacionamento entre usuários, planos de saúde e prestadores de serviço. Hoje, as operadoras têm de oferecer cobertura integral ao rol de procedimentos elencado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Nada mais correto.
A própria Constituição Federal, de 1988, estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Portanto, a proposta de colocar no mercado planos com cobertura reduzida é uma espécie de ataque do próprio Estado à nossa Lei Maior. Os únicos a ganhar caso esse despautério se concretize serão as operadoras. Elas poderão comercializar produtos só para consultas ou apenas para atenção primária, amealhando mais lucros em seus já recheados caixas.
Os pacientes só se darão conta do engodo quando necessitarem do procedimento A ou B e receberem a notícia de que não é coberto pelo plano. Os médicos e demais prestadores de serviço terão ainda mais reduzidos seus honorários. Já o Sistema Único de Saúde (SUS), que sofre de insuficiência de investimentos e encontra-se à beira da UTI, arcará com todos os custos elevados dos procedimentos de alta e média complexidade não oferecidos pelos “planos populares”.
Dados do Ministério da Saúde apontam que, em 2015, os gastos com ações de atenção básica, como consultas em postos de saúde, representou 13,7% do total do orçamento do SUS. Enquanto isso, os procedimentos de média e alta complexidade, entre eles, internações e cirurgias, somaram 42,1% das despesas da pasta.
É evidente então que a propositura do MS se transformará em um novo ralo para os escassos recursos do SUS. A tendência é agravar ainda mais os problemas da rede pública de saúde.
Não podemos, em hipótese alguma, calar diante de tamanho absurdo. A iniciativa é uma afronta à legalidade, não possui amparo técnico e parece ter sido feita sob encomenda para atender a interesses de uns poucos.
Ainda acredito que o Brasil pode ser sério, além de defender que saúde é um direito fundamental do homem. Então, é hora de unir forças e resistir.
Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica