Em termos comparativos, vistorias realizadas pelo Departamento de Fiscalização do Cremesp em abril de 2015 e maio de 2016 constataram redução de cerca de 20% dos leitos e sobrecarga de trabalho de médicos e outros profissionais da saúde, prejudicando o atendimento a aproximadamente 450 mil pessoas no Distrito do Butantã, zona Oeste da capital paulista. Na última visita, médicos fiscais do Cremesp encontraram 26 pacientes em macas e número de médicos insuficiente para o atendimento adequado.
Os graves problemas no atendimento decorrem da desativação de serviços e postos médicos. O esvaziamento das equipes iniciou-se em 2014, quando a reitoria da USP aprovou um plano de demissão voluntária de servidores, como forma de reduzir os gastos da universidade com a folha de pagamento. Na época, também foi proposto um plano de desvinculação do HU da USP, que passaria para o Governo do Estado. De janeiro daquele ano até a data da última vistoria do Cremesp constatou-se haver 40 médicos a menos no corpo clínico das diversas especialidades médicas.
Entre os serviços desativados estão o de pronto-socorro infantil no período noturno e os atendimentos de oftalmologia e otorrinolaringologia. A assistência à gestante também sofreu com redução de aproximadamente 27% em relação aos partos realizados e de 50% do ambulatório de pré-natal, serviços que passaram a ser encaminhados a outros hospitais do município. A falta de vaga em leitos e a lotação nos berçários também provocaram a redistribuição de gestantes a outros serviços.
Durante a fiscalização foi encontrada informação de ocorrência inédita no hospital de surto em neonatos pela bactéria Enterobacter aerogenes, o que levou ao bloqueio da UTI neonatal e do berçário.
Embora haja esforços no sentido de estruturação e redistribuição dos atendimentos de urgência e emergência para outros hospitais e prontos-socorros da região, a média de atendimentos no PS tem sido da ordem de 18 mil mensais, uma redução de apenas 2 mil quando comparados com os 20 mil atendimentos realizados em março de 2015. Apesar da diminuição, o número de pacientes graves se mantém praticamente constante, havendo grande sobrecarga de atendimento realizado por um contingente menor de médicos e profissionais de enfermagem. Tal situação contraria a Resolução CFM nº 2077/14, que regulamenta o número de médicos necessário para atuar em unidades de emergência hospitalar, de forma a garantir adequadas condições de trabalho para os médicos e redução de riscos aos pacientes. O trabalho de fiscalização foi composto de formulário técnico protocolar para avaliação da estrutura e, também, de entrevistas com médicos clínicos, cirurgiões, pediatras, obstetras e ortopedistas, entre outros profissionais.
Hospital Universitário
O HU é um hospital geral ligado à Universidade de São Paulo (USP) que presta prioritariamente atenção secundária à população do Butantã, o que inclui assistência a patologias mais frequentes e aquelas que requererem internação.
Idealizado em 1967, iniciou suas atividades em 1968 como hospital de ensino para atender às necessidades de formação dos alunos de medicina, enfermagem, psicologia, fisioterapia, odontologia, nutrição, farmácia e fonoaudiologia da USP. A partir de 1981 teve implantadas as áreas de atendimento em Pediatria e Obstetrícia, seguidas das Clínicas Médica e Cirúrgica, em 1985 e 1986, respectivamente.
Possui programa de Residência Médica vinculada à Faculdade de Medicina da USP, sendo estágio obrigatório para os residentes da área de Cirurgia Geral, Clínica Médica, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia e Ortopedia.
O hospital conta com estrutura própria de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico, como o laboratório de análises clínicas e o serviço de radiologia; possui equipamentos de ultrassom, ecocardiografia, tomografia computadorizada e endoscopia. Realiza procedimentos de hemodiálise e mantém, no local, serviço de hemoterapia pertencente à Fundação Pró-Sangue Hemocentro de São Paulo.
Desde a sua inauguração não houve ampliação de leitos, o que não acompanhou o crescimento da população do Distrito do Butantã, que hoje tem cerca de 450 mil habitantes. Ao contrário, o número de leitos tem diminuído ao longo dos anos, muitos deles desativados a partir de outubro de 2014, após medidas de contenção de despesas adotadas pela nova reitoria da Universidade de São Paulo.
Cremesp e Ministério Público
Em parceria com o Ministério Público de SP, o Cremesp atua na intermediação dessa crise, dialogando com os diversos agentes envolvidos.
Em audiência na Promotoria de Justiça do Ministério Público de São Paulo, o presidente do Cremesp, Mauro Aranha, defendeu que a instituição seja recuperada em sua totalidade. Para ele, é fundamental que a reitoria da USP e as três esferas de governo - federal, estadual e municipal - assumam suas parcelas de responsabilidade pela crise na instituição e criem alternativas para que os habitantes da região não sejam penalizados e o ensino médico não seja comprometido. "O HU é pioneiro na integração de ações de saúde na região, com importante trabalho no atendimento secundário e visão comunitária, tendo inclusive contribuído na idealização do Sistema Único de Saúde (SUS). Essas qualidades de hospital-escola não podem ser invalidadas e abandonadas em função de equívocos anteriores de gestão no âmbito administrativo", diz Aranha.
A reunião foi convocada pelo promotor Arthur Pinto Filho, do Ministério Público Estadual, para discutir responsabilidades e buscar soluções aos graves problemas no HU, que vem funcionando de forma caótica e com riscos para o atendimento prestado. Também participaram da audiência representantes da reitoria da USP, do Ministério da Saúde, das secretarias estadual e municipal da Saúde, dos conselhos Universitário e Deliberativo da USP, da superintendência do HU, da Associação dos docentes da USP (Adusp), dos sindicatos dos Médicos de São Paulo (Simesp) e dos Trabalhadores da USP (Sintusp) e de colegiados de estudantes universitários ligados à Saúde.